Hoje começa a 20a.
Copa do Mundo de Futebol. O Brasil candidatou-se para sediá-la e foi escolhido
em 17/03/2006. Na época, os aplausos em território nacional foram majoritários.
Com 8 anos de antecedência para organizar o evento, seria possível fazê-lo com
desenvoltura. Criar infraestrutura útil ao país de forma definitiva,
aeroportos, acessos, estradas, transporte coletivo, benefícios às cidades-sede
e ao país não apenas durante a Copa mas também depois dela.
A oportunidade de alavancar o
turismo, subaproveitado, mostrando ao mundo nossa capacidade de organização,
planejamento e estratégia, nossas belezas e nossas muitas virtudes. Enfim,
capitalizar retorno aos investimentos efetuados, gerar empregos, gerar turismo,
promover negócios, promover nossa imagem. Essa oportunidade foi desperdiçada.
O país viveu momentos de tensão no
ano passado, fruto da insatisfação geral, carente entretanto de propósitos mais
específicos que pudessem levar a resultados concretos. Não estavam em nossos
planos (nossos me refiro à população) obras superfaturadas, desorganização,
corrupção, mortes de operários, estádios nababescos em sedes sem equipes de
grande tradição no esporte, atrasos preocupantes, não-realização das obras
contratadas, não-responsabilização dos responsáveis, regimes legais de exceção,
investimentos equivocados que não devolverão benefícios à população. Enfim, a
Copa que começa hoje em quase nada se parece com aquela que a maioria de nós
imaginou e sonhou oito anos atrás.
Daí o desânimo das pessoas com o
Mundial, daí a ausência quase absoluta de ruas enfeitadas, de bandeiras nas
casas, carros, estabelecimentos comerciais. Esta Copa definitivamente não
empolgou os brasileiros da mesma forma que as anteriores. Mas não podemos
esquecer uma coisa, a Copa do Mundo não é apenas um evento, não envolve apenas
organização política e negócios. Sua matéria prima é o futebol. Um esporte que
atrai milhões de pessoas em todo o mundo, que cativa, encanta, que cria cenas
de extrema beleza e momentos de grande emoção.
Em que pesem as críticas que se
possam fazer à supervalorização de um esporte, aos salários grandiosos de seus
protagonistas, às cifras ciclópicas que movimenta, à forma de negócio que tomou
(assim como muitas outras coisas no mundo de hoje), ainda assim existe ali a
matéria prima, que não chega a ser racional, que assume níveis quase
religiosos, que gera um amor insano por cores e símbolos, que inunda uma
multidão com emoção quase epifânica no momento mágico do gol, com rejúbilo na
vitória e lágrimas copiosas da derrota, ali ainda surge, magnânimo, etéreo,
ambivalente, o futebol!
E, ah, como eu gosto do
futebol...
Vejo-me absorvido numa partida
bem jogada, sinto amor e ódio em porções extremas e antagônicas dentro de
noventa minutos, admiro e desprezo, enalteço e vilipendio, sofro e gozo, morro
e vivo várias vezes entre o pontapé inicial e o apito final. Como não desfrutar
com extremo prazer de uma ópera do melhor futebol, com os melhores artistas,
executada em nossa casa?
E aqui sou obrigado a separar as
coisas. Chamem-me de alienado, insensível, ignorante ou o que quiserem, dou de
ombros. Gosto do futebol e vou assistir a todos os minutos possíveis durante o
próximo mês. Depois voltarei a questionar, a esbravejar, a protestar, a votar,
a gritar, a escrever, ao que seja para ver um país melhor e uma humanidade
melhor, não importa quantas vidas isso leve, mas hoje... hoje, e nos próximos
trinta dias, vou me sentar em frente a um televisor e apreciar o melhor
futebol.
Porque também de futebol é feita
uma Copa do Mundo!